Um dos debates mais importantes sobre a “natureza” do ser humano antes do advento do Estado foi aquele travado entre as teorias do inglês Hobbes (1588-1679) e do francês Rousseau (1712-1778). Para o primeiro, a vida das pessoas em sociedades sem estado era “solitária, pobre, vil, bruta e curta”, e elas viviam em um estado de guerra de todos contra todos. Num momento, porém, agentes racionais que eram, decidiram abrir mão de sua liberdade e firmaram um contrato (social) em troca de segurança. Quem garantiria essa segurança? O Estado (representado na imagem acima pelo Leviatã, título de sua principal obra), cujo poder é a soma da legitimidade conferida pelos seus súditos. Para Rousseau, diferentemente, a vida humana no estado de natureza (antes do Estado) era idílica – pelo menos em comparação com a vida nas sociedades “civilizadas” . Ao contrário da vida “bruta e curta” de Hobbes, para Rousseau, “o homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe”. Essas são simplificações, porém, as teorias de ambos são mais complexas. Rousseau imaginava que apesar de o ser humano no estado de natureza ser “bom”, sua vida era miserável, assim como Hobbes. Da mesma forma, ambos estão agrupados na escola de pensamento chamada de contratualismo (um dos principais trabalhos de Rousseau se chama “O Contrato Social”, no qual o autor acredita que a sociedade “civilizada” pode ser purgada de seus males através da submissão de todos a uma vontade geral).
Bem, nenhum dos dois fez qualquer pesquisa de campo para provar sua tese e não existia etnografia em sua época. Os relatos que ambos dispunham sobre as “sociedades sem estado” (como as tribos indígenas americanas, que ambos mencionam) eram escassos e desencontrados. Suas teorias eram sobretudo especulativas.
Hoje, porém, nos dispomos de uma séria de informações sobre um grande número de sociedades, com ou sem estado (ou em “estado de natureza”, como os autores prefeririam). Atualmente, as pessoas tem uma visão de que a violência é um problema principalmente moderno e que o mundo tradicional (principalmente sociedades pouco complexas) estaria relativamente livre dela. Talvez, hoje, predomine a visão rousseauniana (pelo menos no senso comum). Será, porém, que isso se confirma?
Abaixo trago uma compilação de dados sobre porcentagens de pessoas que morreram violentamente em diferentes sociedades compilados pelo psicólogo canadense Steven Pinker e vejamos como esses dados se relacionam com a discussão entre “hobbesianos” e “rousseaunianos”.
Mesmo as sociedades com Estado mais violentas (nazista, estalinista ou mesmo asteca) foram muito mais pacificados do que a imensa maioria das sociedades sem Estado. A existência de um Estado, qualquer que seja, diminui a chance de ser morto por outra pessoa de 3 a mais de 600 vezes. Mesmo com os genocídios, gulags e campos de concentração, a proporção de pessoas mortas na guerra no século XX não faz nem sombra ao que acontecia em épocas anteriores da humanidade. Hoje, com refinamentos do Leviatã (como a democracia liberal, os direitos civis e muitos outros) a proporção é próxima de zero, mesmo que apenas metade da população mundial viva sob democracias. Assim, podemos dizer que o Leviatã imaginado por Hobbes há cerca de 400 anos cumpriu, pelo menos em parte, seu papel de garantir mais segurança e uma vida mais longa. Da mesma forma, a tese rousseauniana do “bom selvagem” não se confirma de forma alguma.