
Gabinete do primeiro ministro canadense, Justin Trudeau, com composição de gênero igualitária.
A escolha, pelo presidente interino Michel Temer, de um ministério composto apenas por homens suscitou uma série de questionamentos sobre um possível caráter “machista” ou “patriarcal” de seu governo. Levando em conta que mulheres são 50,6% da população brasileira (e também são maioria dos graduados no ensino superior, antes que se levantem argumentos sobre uma menor capacitação), fica realmente estranho um gabinete composto por 100% de homens. Ocorre que o gabinete de Dilma também ficava devendo na quantidade de mulheres. Seu primeiro gabinete no segundo mandato, de 2015, tinha apenas 4 mulheres entre 39 ministros, o que corresponde a pouco mais de 10% do total. Quando comparamos ambos os gabinetes com a composição da população brasileira, notamos que mulheres sempre estiveram sub-representadas, embora, obviamente, ter algumas mulheres sempre pode ser visto como melhor do que não ter nenhuma.
Talvez o problema não esteja na escolha dos gabinetes em si, mas na baixa representação de mulheres na política brasileira. Na Câmara dos Deputados, há apenas 45 mulheres, o que corresponde a menos de 9% do total. Quando consideramos Câmara e Senado, a proporção é levemente maior, mas não passa de 10% do total. Esse valor é realmente tão baixo? Qual é a proporção em outros países? Bem, vejamos o seguinte gráfico elaborado com dados do Banco Mundial:

Proporção de Mulheres nos Parlamentos – Brasil e Regiões Selecionadas (Banco Mundial)
Na imagem acima é possível verificar que a proporção de mulheres no Parlamento Brasileiro se manteve praticamente estagnada nos últimos anos e muito abaixo da média mundial (atualmente em 22,9%). Também estamos bem abaixo da média de nossos vizinhos latino-americanos (27,9%) e da União Europeia (28,4%). O que é incrível, porém, é que perdermos de lavada para os países do Mundo Árabe (18,8%, um número que tem crescido desde a eclosão dos movimentos que ficaram condensados sob o rótulo de Primavera Árabe), amplamente conhecidos pela privação de direitos a que são submetidas as mulheres que lá vivem.
Levando em conta que os membros dos ministérios, normalmente, vêm do Parlamento, ou são indicados pelos partidos que dominam o Parlamento, é de se imaginar que a falta de mulheres no gabinete seja um reflexo da sua baixa representação na política de modo geral. Agora, mesmo levando em conta esta baixa representatividade, há mulheres no parlamento, enquanto no gabinete de Temer não há nenhuma. Qual é a probabilidade dessa diferença se dever ao machismo ou ser, de fato, aleatória, como defendem os apoiadores do governo?
Para responder a esta questão, vamos tentar nos valer da Estatística Inferencial. Existe um cálculo estatístico bastante simples chamado de teste do qui-quadrado. Este teste é representado pela seguinte fórmula:
x² = ∑ [(o -e)²/e] |
Não é necessário decorá-la, mas o teste, basicamente compara os valores que são observados na realidade com os valores esperados, que apareceriam, em um mundo ideal, caso não houvesse relação entre as variáveis – no caso gênero e presença no ministério e nos entrega uma probabilidade de a relação entre as variáveis ser aleatória ou não. Como chegamos a este número ideal? Bem, aqui temos a distribuição por gênero no ministério de Temer e na Câmara dos Deputados conforme foram observadas no primeiro dia de seu governo interino:
Para chegar ao valor esperado, basta dividir o total de cada categoria na coluna pelo total geral e, depois, em cada célula, usar o valor resultante e multiplicar pelo respectivo total de cada linha. Após este cálculo chegamos ao seguinte quadro:
Se nossa hipótese de que o número de mulheres nos ministérios tem alguma relação com o número de mulheres no Parlamento, era de se esperar que houvesse ao menos duas mulheres na composição do gabinete de Temer, mas não é isso que ocorre. Bem, mas probabilidades são sempre gerais. Se você jogar uma moeda para cima 10 vezes, é de se esperar que haja várias vezes em que o resultado não seja meio a meio – às vezes vamos ter 6 caras e 4 coroas, outras 3 caras e 7 coroas. Essas variações são perfeitamente normais. Agora, se em 50 tentativas, uma moeda der coroa 45 vezes, temos um forte indício de que se trata de uma moeda viciada. Assim, aplicando a fórmula do qui-quadrado podemos identificar a probabilidade de essa diferença entre nenhuma mulher observada e duas mulheres esperadas é aleatória ou não.
Depois de feito o cálculo chegamos a um valor do quiquadrado de 2,251. Ele, por si só, não quer dizer nada, mas os estatísticos, há décadas, calcularam as probabilidades associadas a cada valor de quiquadrados para diferentes tamanhos de tabelas (no nosso caso uma tabela 2 x 2, ou com 1 grau de liberdade, na linguagem estatística). Esses cálculos estão amplamente disponíveis e existem mesmo sites que calculam a probabilidade (também chamada de valor p) associada a cada valor de quiquadrado. Bem, a partir do nosso valor, chegamos a uma probabilidade de apenas 13% de que a falta de mulheres no ministério de Temer seja aleatória. Ou seja, podemos afirmar que há uma probabilidade de 87% que o tenha havido, de fato, uma discriminação por gênero na escolha do Gabinete. Cabe lembrar, que, em estatística, se costuma dizer que um resultado é significativo apenas quando temos mais de 95% de probabilidade em uma relação, mas levando em conta que houve a presença de mulheres em todos os gabinetes ministeriais desde o final da Ditadura Militar, um valor de tal ordem pode ser intrigante.
Quando aplicamos a formula à Dilma, chegamos aos seguinte resultado: há uma probabilidade de 23% de favorecimento de Dilma às mulheres na composição de seu gabinete (levando, obviamente, em conta a composição do Parlamento), visto que a proporção de mulheres no primeiro gabinete do segundo mandato de Dilma era levemente superior àquela encontrada no parlamento:
Um resultado interessante e ilustrativo é quando fazemos o mesmo cálculo para Dilma e Temer levando em conta a proporção de homens e mulheres na população em geral. O resultado é o seguinte:
Ou seja, apesar de que, quando levamos em conta a representatividade de gênero no Parlamento, Dilma se sai muito melhor do que Temer, quando levamos em conta a divisão mais equânime de gênero que ocorre na população em geral, o resultado é o mesmo para ambos os governos. As 4 mulheres entre 39 ministros de Dilma não a colocaram em melhor posição neste quesito.
Assim, cabe colocarmos maior evidência na baixa representatividade de mulheres na política brasileira, uma das maiores vergonhas nacionais.Quando passarmos de nossos vergonhosos 9% para uma proporção mais próxima daquelas das democracias avançadas, um gabinete ministerial composto apenas por homens nos soará como um anacronismo tão grande quanto a restrição ao direito de voto feminino, abolida, em nosso país, em 1932.
Por que você demora tanto para fazer esses ótimos textos? hehehe Muito bom!! Um dos únicos sites que usa estatística para tentar responder questões sociais interessantes.
Eu tenho algumas dúvidas sobre seu método. Primeiramente, eu refiz suas contas e meu teste qui-quadrado deu 2.292 (diferente do seu 2.251). Deve ser por causa de aproximações, mas não custa conferir se não foi erro de digitação.
A minha dúvida é se está correto esse valor, dado que uma das células das tabela (mulheres no ministério) é 0. É recomendado que o teste qui-quadrado só possa ser utilizado se o valor N for menor que 40 OU quando o número de observações em cada célula da tabela for maior ou igual a 5 (Fisher). Como uma das células é 0, você não deveria usar a correção de Yates nos cálculos ( χ2 = Σ [( | o – e | – 0,5)^2 / e ] )?
Usando a correção o valor p ficaria menor que 87%, na casa dos 70, mostrando que a chance de ter tido discriminação por gênero não é tão alta. Se usarmos o intervalo de confiança 95% então estaríamos ainda mais distantes de rejeitar a hipótese nula.
Abraços.
Olá, João Vítor! Você tem razão, idealmente deveríamos ter mais casos para aplicarmos o teste (ou termos ao menos cinco mulheres nos gabinetes), mas isto aqui é apenas um exercício. Quanto às diferenças do valor do x², provavelmente, se devem ao arredondamento que fiz para apresentar o valor esperado, pois no cálculo original utilizei os valores quebrados.
Abraços!
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