Sobre a Ciência e o Conhecimento

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Nos últimos 2 anos, tenho me interessado muito pelo estudo da filosofia (principalmente política, moral e do conhecimento) e me dei conta de quanto a maioria das discussões epistemológicas que fazemos nas ciências sociais são superficiais (limitando-se, muitas vezes, ao estudo de autores da moda, como Foucault, Kuhn e Feyerabend). Grosso modo, a filosofia do conhecimento (a epistemologia) faz as seguintes distinções:

“É um equívoco grave a construção artificial de supostas polaridades
entre realismo e construtivismo e entre objetivismo e relativismo. De fato, as polaridades existentes são as estabelecidas entre objetivismo e construtivismo (em relação à questão da origem do conhecimento), realismo e idealismo (em relação à questão da natureza do objeto), e criticismo e relativismo (em relação à questão da possibilidade do conhecimento).” (Castañon, 2009)

1) O objetivismo é a posição “positivista”, segundo a qual a origem do conhecimento está no objeto e não no sujeito, como se os nossos sentidos fossem uma janela transparente para o mundo. É uma posição relativamente ingênua, dado que filósofos céticos já a refutaram há milhares de anos (por exemplo, ao refletirem sobre as ilusões de ótica). O construtivismo, na minha opinião uma posição mais elaborada, alega que a origem do conhecimento está no sujeito e na percepção que nossos sentidos nos oferecem do mundo.

2) Segundo o realismo, existe um mundo exterior às nossas mentes, enquanto para o idealismo o mundo existe apenas na nossa mente. Quase sempre as posições pós-modernas são idealistas/anti-realistas, enquanto a atitude científica pressupõe a existência de um mundo exterior e que ele pode, mesmo que imperfeitamente, ser conhecido pelos nossos sentidos.

3) Enquanto para o relativismo, nenhum conhecimento objetivo é possível, sendo que qualquer “discurso” ou “narrativa” tem tanto valor quanto os demais, para sua posição oposta, o “dogmatismo”, o conhecimento sobre o mundo é absoluto (mais uma vez uma posição que poderíamos colocar sobre o rótulo – um tanto espantalhoso – de positivismo). Uma posição mais sofisticada é aquela do “criticismo” (no sentido que tem, por exemplo, no racionalismo crítico de Popper), segundo a qual, alguns tipos de conhecimento são superiores a outros, mesmo que de forma provisória e parcial. A aventura do conhecimento, assim, seria uma sucessiva aproximação de algo que podemos chamar de “verdade”.

Em Defesa do Iluminismo

Tradução própria de resenha do livro de Tzvetan Todorov.

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Sob quais bases intelectuais e morais queremos construir a nossa vida comum? Nós não receberemos qualquer ajuda dos políticos (já que eles estão obcecados com as negociações políticas e gananciosos por conquistar ou manter o poder), de figuras midiáticas (para quem, “celebridades” grosseiras e a repulsa à qualquer forma de vida inteligente é o que importa), nem de “líderes” religiosos (o que proferem, que varia do vazio ao incitamento do assassinato em massa de quem não siga as crenças irracionais, fatalmente semelhantes, não inspira confiança), então não há muito com o que se alegrar. É claro que estamos nos distanciando das dimensões humanistas do Iluminismo europeu e de qualquer estrutura conceitual que forneça as bases para o que dizemos e fazemos. Estamos perdendo nossas sensibilidades e nossas conexões com o passado. Essas são razões suficientes para acolher este pequeno livro (publicado pela primeira vez em francês em 2006, e traduzido aqui por Gila Walker).

O Iluminismo não se originou no século XVIII. Ele deve muito à Antiguidade, à Idade Média, ao Renascimento e às grandes mudanças dos séculos XVI, XVII e XVIII. Estava, portanto, bastante preocupado com a absorção, com a conciliação de pontos de vista que estavam em conflito e com uma redescoberta e reinterpretação da Antiguidade Clássica, com o acolhimento do que era antigo e do que era moderno e, também, com abstrações conceituais (como aquelas que constituíam as idéias de igualdade e liberdade).

E o que foi mais importante, o Iluminismo compilou uma grande quantidade de conhecimento, e tentou aplicá-la ao mundo real daquele tempo. Incentivou a plena liberdade para estudar, perguntar, criticar e desafiar os dogmas: ele tentou libertar a humanidade da tirania da autoridade de caráter religioso. Em outras palavras, ele removeu as algemas impostas pela crença no sobrenatural, rejeitando a submissão da sociedade a preceitos cuja legitimidade foi supostamente concedida por deuses, ancestrais, ou ambos. Fundamental para isso, claro, foi a separação da religião e do Estado. A razão deveria predominar, assim como o conhecimento, abrindo as portas para o desenvolvimento das ciências. Foram promovidas todas as formas de educação, desde a escola primária até as academias científicas, e novas descobertas se tornaram disponíveis, não apenas para um grupo seleto, mas também para o público em geral.

Onde estão, poderíamos nos perguntar, os Lockes, Humes e Voltaires (para citar três gigantes do Esclarecimento) do século XXI, já que estamos regredindo à escuridão e ao caos? Onde, de fato! O Iluminismo aconteceu em um momento de debate vociferante, não de consenso. Ainda hoje, é óbvio que a mídia de massa, controlada por muitas poucas pessoas, e empregando bajuladores incapazes, ao que parece, de pensar originalmente, está promovendo a sopa insossa de opinião pronta, inimiga do debate racional. Os velhos adversários do Iluminismo (autoridade arbitrária, fanatismo e obscurantismo) estão todos soltos, afinal, no primeiro Estado criado sob a égide de princípios iluministas, os Estados Unidos da América, por volta de 39% da população, acha que a Bíblia foi diretamente ditada por Deus e deve ser interpretada literalmente.

Todas as sociedades ocidentais contemporâneas estão atualmente sob o ataque do fundamentalismo, e não só o de característica cristã: o fato de que os políticos e os meios de comunicação têm medo de sequer mencionar isso, apesar das evidências de que seja um perigo óbvio e muito real, diz muito sobre a covardia, estupidez e sobre a traição da sociedade contemporânea aos ideais do Iluminismo, aos quais muito devemos. Talvez isso ocorra porque a humanidade permanece em estado de menoridade, como uma criança que não pode avançar sem ser obrigado a fazê-lo. Milton esperava que um dia a humanidade, pelo livre exercício da razão, acabaria por se tornar adulta (nota do tradutor:mesma posição encontrada em Kant, em “O que é o esclarecimento?”). O oposto parece estar ocorrendo, e isto é, ou deveria ser, uma fonte de enorme preocupação para todas as pessoas pensantes. Tzvetan Todorov argumenta que devemos resgatar o pensamento iluminista de uma forma que preserve o legado do passado, mas submetendo-o a um exame crítico: pelo caminho que as coisas estão tomando, este resenhador diria, não há possibilidade de isso acontecer agora, dada a mediocridade intelectual, receio da verdade e covardia moral, em todo lugar óbvia, naqueles com posições de poder.

Este livro instigante deve ser lido por todos que se preocupam com o futuro: é importante e oportuno, embora provavelmente seja tarde demais para ter qualquer efeito sobre o declínio óbvio e aterrorizante e à capitulação à loucura irracional. Dessacralização radical, perda de sentido e o culto universal ao relativismo causaram um dano imenso: são distorções dos princípios iluministas e são frutos de falta de cuidado, hipocrisia e covardia.