O nível de corrupção depende do tamanho do Estado?

menos estado

Jovens conservadores relacionando tamanho do Estado e corrupção.

Um dos principais argumentos da direita brasileira para explicar a corrupção no Brasil a relaciona com o tamanho de nosso Estado, teoricamente grande demais. Muitos desses argumentos são sintetizados por um dos intelectuais orgânicos da direita liberal-conservadora brasileira, em livro bastante divulgado pela imprensa, após denúncias de corrupção envolvendo os processos de privatização de estatais nos anos 90 (não é objetivo deste texto discutir se as privatizações são boas ou ruins e a suposta corrupção no processo de privatização brasileiro).

Bem, de fato, o Estado brasileiro é relativamente grande, não em relação aos países ricos, mas em relação aos países de renda média, como é o nosso caso. Enquanto nos demais países latino-americanos, a carga tributária varia entre 20% e 30% do PIB, no caso brasileiro, o valor chega a cerca de 35% (nos países ricos, dificilmente a carga baixa de 38%, 40% do PIB. Os EUA são uma exceção com uma carga de cerca de 26% do PIB, mas com gastos públicos que chegam a cerca de 40%, financiados, sobretudo com déficits e emissão de moeda, e não com impostos). Apesar de alto, este valor se manteve relativamente estável nos últimos anos. Grande parte de seu crescimento foi registrado nos anos 90 e começo dos anos 2000, quando, devido às taxas de juros praticadas no momento de estabilização econômica e incorporação das dívidas dos estados, o serviço da dívida (juros, amortizações, etc.), a dívida pública explodiu.

Carga tributária brasileira

serviço da dívida

Serviço da dívida como % do PIB. Fonte: Banco Mundial.

Bem, medir o tamanho do Estado é relativamente fácil. E quanto à corrupção? O indicador mais utilizado neste sentido é o da ONG Transparência Internacional, que elabora o Índice de Percepção da Corrupção, que varia de 0 a 100. Quanto mais próximo de 0, maior a corrupção, quanto mais próximo de 100, menor a corrupção.

Percpeção da Corrupção. Fonte: Transparência Internacional, 2014.

Percepção da Corrupção. Fonte: Transparência Internacional, 2014.

Notamos que enquanto países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia e países nórdicos ocupam as melhores posições, países como Venezuela, do norte da África e do Oriente Médio amargam as piores posições. O Brasil encontra-se em uma posição intermediária, com um nível de corrupção semelhante a de países do sul da Europa, como Itália e Grécia, mas distante ainda dos melhores colocados na América Latina, Chile e Uruguai, embora acima da média do continente.

Certo, mas existe uma relação entre tamanho do Estado e o nível de corrupção de um país? Ora, “quanto maior o estado, maiores as chances de corrupção, pois mais possibilidades ela teria para se desenvolver”, diriam os liberais. Um primeiro teste simples para testar esta hipótese é a correlação entre a pontuação no ranking da Transparência Internacional e o tamanho do Estado de cada país, medido pela carga tributária (dados do FMI, relativos a 2014). Este teste mede a força de associação entre duas variáveis e pode variar de -1 (correlação negativa, ou seja, quando uma variável aumenta, outra diminui) a +1 (correlação positiva, ou seja, quando uma aumenta – ou diminui – a outra também aumenta – ou diminui). Um valor próximo a 0 indica ausência de relação.

Levando em consideração os 166 países para os quais ambos os dados estavam disponíveis, chegamos a um valor de 0,551 (detalhe técnico para quem se interessa por estatística: correlação de Spearman, altamente significante, p> 0,001). Isso indica que a tendência é que baixas taxas de corrupção (lembre-se, quanto maior a pontuação do país, menor a corrupção) estão bastante  associadas a um Estado grande, enquanto Estados menores costumam ter taxas mais elevadas de corrupção). Visualmente, a tendência é a seguinte:

Relação entre tamanho do Estado e Corrupção. Linhas de tendência e valores da equação. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Transparência Internacional e do FMI.

Relação entre tamanho do Estado e Corrupção. Linhas de tendência e valores da equação. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Transparência Internacional e do FMI.

Os valores indicados à direita referem-se ao valor da regressão (tecnicamente, coeficiente de determinação), ou seja, quanto da melhora na pontuação da Transparência Internacional pode ser predita pelo tamanho do Estado. Dependendo do modelo utilizado, os valores variam de 29,8% a 32,4%, o que pode ser considerado um valor considerável.

Todos os modelos indicam que longe de a corrupção estar associada com um Estado grande, ela está associada com Estados menores e mais fracos, como indicam as linhas de tendência, todas elas positivas. Diferentemente do que diz a ideologia liberal-conservadora da moda, provavelmente são outros fatores (institucionais e culturais) e não o tamanho do Estado, que explicam o quanto um país é corrupto. Apesar de termos uma carga tributária relativamente elevada para os padrões da América Latina, também temos uma das menores taxas de corrupção do continente (embora ainda muito atrás daquelas encontradas nos países desenvolvidos).

Trajetórias da liberdade no último século: o mundo é hoje um lugar melhor.

Compartilho abaixo excelente compilação de dados que mostra a evolução da proporção de habitantes da Terra vivendo em diferentes sistemas políticos desde o início do século XX. Uma proporção sem precedentes da população vive atualmente fora das garras do autoritarismo e da autocracia.

regimes políticosCada cor representa um regime político especifico. Verde Escuro representa democracias plenas (como a Suécia ou o Canadá, por exemplo), verde “médio” democracias (como o Brasil ou a França), verde claro representa anocracias abertas (como a Rússia ou a Venezuela), laranja claro anocracias fechadas (como Angola ou Myanmar) e, finalmente, o vermelho representa autocracias ou ditaduras (como Belarus ou a China). Anocracias são governos que não nem plenamente democráticos, com instituições sólidas, mas também não chegam a ser ditaduras, pois ainda há oposição legal organizada, em maior ou menor grau.

Uma das formas de governo autoritário, o colonial, simplesmente deixou de existir após a descolonização. Os últimos resquícios de colonialismo tradicional, que abrangia 0,3% da população mundial em 1974, deixaram de existir após a independência das colonias portuguesas. Em 1943, auge do totalitarismo, apenas 9,5% da população mundial vivia sob democracias ou democracias plenas. No auge da Guerra Fria, em 1963, 36% da população vivia sob democracias ou democracias plenas. Em 1993, após o fim da Guerra Fria e o desmantelamento de ditaduras de direita e de esquerda, quase 50% da população mundial vivia em regimes democráticos. Em 2004, a proporção de pessoas vivendo em democracias chegou a 56% da população, enquanto em 2009, havia recuado para 53%. Hoje, a maior parte da população que vive em autocracias vive em um único país, a China. A tendência, inegavelmente, é de melhora, porém.

Para dados históricos detalhados de cada país o site do Polity Project IV é muito útil.

A volta do regime militar é a solução para a violência brasileira? A RBS, além de difundir valores antidemocráticos, desinforma.

Nos últimos tempos, parte da mídia tem se utilizado de suas concessões públicas para repercutir discursos criminosos de apologia a volta de um regime militar no Brasil. É o caso da RBS, um oligopólio de comunicação do sul do país que ganhou dezenas de concessões dos generais para servir como mídia oficial da ditadura, concessões estas mantidas até hoje. No vídeo abaixo, um comentarista de seu principal telejornal do estado de Santa Catarina exprime essas opiniões.

Ora, será que, apesar de criminosas, tais opiniões se justificariam em dados reais? Será que a privação das liberdades democráticas é um preço a se pagar por uma sociedade menos violenta e mais segura? Uma forma de responder a essa questão é comparando a violência em sociedades democráticas e não democráticas. Um bom indicador sobre a qualidade da democracia em diferentes países é o da prestigiada revista britânica The Economist. Quanto maior a pontuação, mais democrático é o país. A melhor medida da violência, segundo os especialistas no tema, é a taxa de homicídio por 100 mil habitantes ao ano. Ao contrário de outros indicadores de violência, o homicídio é relativamente mais preciso. Por exemplo, um maior registro de roubos pode não querer dizer que há mais roubos, mas sim que as pessoas estão registrando-os mais. Um corpo, por sua vez, não costuma deixar muitas dúvidas.

Coloquei o resultado do cruzamento de ambos em um gráfico de dispersão.

democracia e violência

Cada pontinho no gráfico representa um país. O Brasil está indicado como o ponto vermelho. No eixo vertical, temos a taxa de homicídios, melhor indicador da violência, enquanto no eixo horizontal temos o nível de desenvolvimento da democracia (geralmente se considera que até 4 pontos o país é uma ditadura, de 4 a 6 uma anocracia – um regime híbrido que não é nem democrático, nem ditatorial – de 6 a 7 uma democracia imperfeita – o caso do Brasil – e acima de 8 temos democracias plenas). Não há dados para todos os países, logo, só pude colocar no gráfico os países para os quais ambos os dados estavam disponíveis relativos ao ano de 2012. A linha amarela representa a regressão (um teste estatístico pelo qual tentamos explicar uma variável por outra, no caso, a grau de violência pelo quanto uma sociedade é democrática). De forma simples, é possível dizer que ela resume os pontos, indicando a tendência.

Então, que conclusões podemos tirar? Apesar de ditaduras serem um pouco menos violentas do que as sociedades anocráticas (que tem governos que não são nem ditatoriais nem democráticos, como a Venezuela, por exemplo), a tendência é que, quanto mais democráticas as sociedades são, menos violentas elas se mostram. Quase todas as sociedades com os menores índices de homicídios (próximos ou abaixo de 1 por 100 mil habitantes) são sociedades plenamente democráticas.

Ao invés de regredirmos ao passado, a solução para a violência passa por aprofundarmos nossa democracia. Talvez os oligopólios de comunicação tenham medo disso, já que engordaram bastante sob as botas que lambiam.

A maioridade penal no Brasil ocorre mais tarde do que nos outros países?

É comum ouvirmos jornalistas e políticos afirmando que a maioridade penal no Brasil ocorre mais tarde do que na média de outros países. Constantemente, vemos algum apresentador de programa policial “mundo cão” afirmar que “na Inglaterra a maioridade penal é com 10 anos” ou um político em campanha dizer que “na França, bandido de 13 anos vai para cadeia”. Na verdade, porém, isso é uma confusão de conceitos. Segundo a Unicef:

“Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral tem divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não encontra-se em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo. De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles como discutido a seguir, adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro. No entanto, tem sido fonte de grande confusão conceitual o fato de que muitos países possuam uma legislação especifica de responsabilidade penal juvenil e que portanto, acolham a expressão penal para designar a responsabilidade especial que incide sobre os adolescentes abaixo dos 18 anos. Neste caso, países como Alemanha, Espanha e França possuem idades de inicio da responsabilidade penal juvenil aos 14, 12 e 13 anos. No caso brasileiro tem inicio a mesma responsabilidade aos 12 anos de idade.”

Para tornar a comparação mais atraente visualmente, coloquei a informação sobre a maioridade penal em diferentes países na forma de gráfico. 10410821_831922976839588_7371468334008496911_n

Pode até existir algum bom argumento favorável à redução da maioridade penal, mas esse de que “na maioria dos países é assim”, tão utilizado por políticos demagogos e jornalistas sensacionalistas, não é um deles.