O Brasil não é tão corrupto quanto você imagina

Originalmente publicado no Seguinte: em 30 de Novembro de 2017.

Como eu já escrevi antes, o Brasil é um país paradoxal. Ao mesmo tempo em que mantém estruturas sociais incrivelmente arcaicas, descriminalizou a homossexualidade no começo do século XIX, reconheceu os direitos políticos das mulheres antes da França e foi o único país que lutou na Segunda Guerra cujas tropas não eram segregadas racialmente. Agora, somos um dos poucos países cujo judiciário consegue prender bilionários. Este país tem algo que é incrível e ninguém ainda conseguiu entender direito.

Financial Times contrastou o caso brasileiro com o mexicano em uma matéria do ano passado. Aqui, a economia ainda está em frangalhos – em parte devido à Lava Jato, o que talvez seja um remédio amargo e necessário – mas as instituições funcionam incrivelmente bem. O México, o outro gigante da América Latina, ao contrário, é dominado por cartéis, o judiciário é uma piada, mas vem tendo um bom desempenho econômico.

 

Depois que Temer foi pego fazendo o que não se deve, MBL, parte da imprensa (especialmente a Folha e o Estadão) e quase todas as associações empresariais rogaram para que o combate à corrupção pare para que não prejudique a incipiente luz no fim do túnel econômico. Bem, quem suportou três anos de crise, aguenta mais alguns meses. Se o resultado disso for uma economia limpa e instituições verdadeiramente imparciais, que se vá até o fim. O resultado poderia compensar, apesar de o “grande acordo nacional” proposto por Romero Jucá, finalmente parece estar fazendo com que as coisas voltem a ser como antes.

De qualquer forma, mesmo com os escândalos que se sucedem com alguma impunidade, especialmente entre os protegidos pelo Foro Privilegiado, o Brasil está longe de ser o país mais corrupto do mundo. A ONG Transparência Internacional, todo ano, publica um índice que procura medir a corrupção entre os países. Desde que começou a ser calculado, nos anos 90, o Brasil tem se saído relativamente bem. Obviamente, estamos muito longe de paraísos como a Dinamarca, Nova Zelândia ou Finlândia, mas também estamos igualmente longe de ser o país mais corrupto do mundo. Em 2014, entre 174 países, o Brasil era o 69º mais honesto. Ou seja, existem 105 países mais corruptos do que o Brasil. Estamos exatamente empatados com alguns países europeus, como Grécia e Itália. Quando olhamos para o nosso continente, verificamos que o Brasil é um dos países menos corruptos: na América do Sul, apenas Uruguai e Chile são mais honestos. A orgulhosa e europeizada Argentina amarga a 107º posição.

Bem ou mal, nosso país tem uma longa história de instituições mais ou menos democráticas, o que pode ajudar a explicar porque nossa corrupção não é tão horrível quando poderia ser. Acabei de ler um livro do cientista político Bolívar Lamounier, no qual ele pontua que, apesar dos pesares, a democracia representativa (ou seja a existência de um parlamento eleito de forma relativamente limpa) existe entre nós desde a primeira Constituição do Império, de 1824. Mesmo com as sucessivas rupturas institucionais (Proclamação da República, Revolução de 30, Estado Novo e Golpe Militar de 1964, nossa última dessas rupturas, que já tem lá seus 53 anos), a única vez em que o projeto de extinção da democracia representativa entre nós foi nos 7 anos do Estado Novo, a ditadura semifascista encabeçada por Getúlio Vargas entre 1937 e 1945. Mesmo os militares da última ditadura, apesar de fecharem o Parlamento algumas vezes e mudarem constantemente as regras do jogo para garantir a maioria da Arena, o partido governista, nunca pensaram em extinguir alguma forma de oposição consentida (então, materializada no MDB, ironicamente o grande protagonista dos escândalos atuais).

Então, a existência, ainda que turbulenta de certas instituições minimamente independentes desde a nossa independência pode garantir que, se levado a sério, o combate à corrupção pode prosperar no Brasil. Muitos dizem que nossa tendência cultural à corrupção e ao “jeitinho” veio de Portugal, mas olhem para nossos irmãos de além-mar hoje em dia: eles estão entre os 30 países mais honestos do mundo, muito próximos aos seus vizinhos europeus. Ou seja, não há nada em nossa cultura que nos predisponha a aceitarmos essa chaga social. “Que o Brasil se torne um imenso Portugal”, como dizia a canção do Chico.

 

Mapa da Transparência Internacional: Quanto mais vermelho, mais corrupto é o país.

 

O nível de corrupção depende do tamanho do Estado?

menos estado

Jovens conservadores relacionando tamanho do Estado e corrupção.

Um dos principais argumentos da direita brasileira para explicar a corrupção no Brasil a relaciona com o tamanho de nosso Estado, teoricamente grande demais. Muitos desses argumentos são sintetizados por um dos intelectuais orgânicos da direita liberal-conservadora brasileira, em livro bastante divulgado pela imprensa, após denúncias de corrupção envolvendo os processos de privatização de estatais nos anos 90 (não é objetivo deste texto discutir se as privatizações são boas ou ruins e a suposta corrupção no processo de privatização brasileiro).

Bem, de fato, o Estado brasileiro é relativamente grande, não em relação aos países ricos, mas em relação aos países de renda média, como é o nosso caso. Enquanto nos demais países latino-americanos, a carga tributária varia entre 20% e 30% do PIB, no caso brasileiro, o valor chega a cerca de 35% (nos países ricos, dificilmente a carga baixa de 38%, 40% do PIB. Os EUA são uma exceção com uma carga de cerca de 26% do PIB, mas com gastos públicos que chegam a cerca de 40%, financiados, sobretudo com déficits e emissão de moeda, e não com impostos). Apesar de alto, este valor se manteve relativamente estável nos últimos anos. Grande parte de seu crescimento foi registrado nos anos 90 e começo dos anos 2000, quando, devido às taxas de juros praticadas no momento de estabilização econômica e incorporação das dívidas dos estados, o serviço da dívida (juros, amortizações, etc.), a dívida pública explodiu.

Carga tributária brasileira

serviço da dívida

Serviço da dívida como % do PIB. Fonte: Banco Mundial.

Bem, medir o tamanho do Estado é relativamente fácil. E quanto à corrupção? O indicador mais utilizado neste sentido é o da ONG Transparência Internacional, que elabora o Índice de Percepção da Corrupção, que varia de 0 a 100. Quanto mais próximo de 0, maior a corrupção, quanto mais próximo de 100, menor a corrupção.

Percpeção da Corrupção. Fonte: Transparência Internacional, 2014.

Percepção da Corrupção. Fonte: Transparência Internacional, 2014.

Notamos que enquanto países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia e países nórdicos ocupam as melhores posições, países como Venezuela, do norte da África e do Oriente Médio amargam as piores posições. O Brasil encontra-se em uma posição intermediária, com um nível de corrupção semelhante a de países do sul da Europa, como Itália e Grécia, mas distante ainda dos melhores colocados na América Latina, Chile e Uruguai, embora acima da média do continente.

Certo, mas existe uma relação entre tamanho do Estado e o nível de corrupção de um país? Ora, “quanto maior o estado, maiores as chances de corrupção, pois mais possibilidades ela teria para se desenvolver”, diriam os liberais. Um primeiro teste simples para testar esta hipótese é a correlação entre a pontuação no ranking da Transparência Internacional e o tamanho do Estado de cada país, medido pela carga tributária (dados do FMI, relativos a 2014). Este teste mede a força de associação entre duas variáveis e pode variar de -1 (correlação negativa, ou seja, quando uma variável aumenta, outra diminui) a +1 (correlação positiva, ou seja, quando uma aumenta – ou diminui – a outra também aumenta – ou diminui). Um valor próximo a 0 indica ausência de relação.

Levando em consideração os 166 países para os quais ambos os dados estavam disponíveis, chegamos a um valor de 0,551 (detalhe técnico para quem se interessa por estatística: correlação de Spearman, altamente significante, p> 0,001). Isso indica que a tendência é que baixas taxas de corrupção (lembre-se, quanto maior a pontuação do país, menor a corrupção) estão bastante  associadas a um Estado grande, enquanto Estados menores costumam ter taxas mais elevadas de corrupção). Visualmente, a tendência é a seguinte:

Relação entre tamanho do Estado e Corrupção. Linhas de tendência e valores da equação. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Transparência Internacional e do FMI.

Relação entre tamanho do Estado e Corrupção. Linhas de tendência e valores da equação. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Transparência Internacional e do FMI.

Os valores indicados à direita referem-se ao valor da regressão (tecnicamente, coeficiente de determinação), ou seja, quanto da melhora na pontuação da Transparência Internacional pode ser predita pelo tamanho do Estado. Dependendo do modelo utilizado, os valores variam de 29,8% a 32,4%, o que pode ser considerado um valor considerável.

Todos os modelos indicam que longe de a corrupção estar associada com um Estado grande, ela está associada com Estados menores e mais fracos, como indicam as linhas de tendência, todas elas positivas. Diferentemente do que diz a ideologia liberal-conservadora da moda, provavelmente são outros fatores (institucionais e culturais) e não o tamanho do Estado, que explicam o quanto um país é corrupto. Apesar de termos uma carga tributária relativamente elevada para os padrões da América Latina, também temos uma das menores taxas de corrupção do continente (embora ainda muito atrás daquelas encontradas nos países desenvolvidos).